Tuesday, May 30, 2006

5. Emilismos e pomadismos

O emilismo, como o entendo, é toda tentativa de explicar a vida em meia dúzia de frases, como faz Emília, no livro de Monteiro Lobato, Memórias da Emilia, ao expor sua “filosofia de vida”. O emilismo é um dos representantes do entendimento de que a filosofia é o modo de pensar e viver característico de cada pessoa, mais a idéia que isso comporta uma explicitação em poucas palavras.
O pomadismo é algo mais sofisticado. No conto de Machado de Assis, O Segredo do Bonzo, o narrador fala do que viu na cidade de Funchéu, onde andava com um amigo, Diogo Meireles. Em um ajuntamento de pessoas, alguém que se dizia matemático, físico e filósofo, afirmava ter descoberto a origem dos grilos: eles surgem da agitação do ar e das folhas de coqueiros. Em outra multidão, um homem dizia ter descoberto o princípio da vida futura, que estava em “uma certa gota de vaca”. O narrador então fica sabendo que nos dois casos estava sendo aplicada uma doutrina criada por um homem de muito saber, um bonzo de nome Pomada.
Os dois personagens fazem uma visita ao sábio Pomada, que assim resume sua doutrina: “A virtude e o saber tem duas existências paralelas: uma, no sujeito que as possui, outra no espírito dos que o ouvem ou contemplam.” Assim, segue o sábio, uma coisa pode existir na opinião sem existir na realidade. De outro lado, uma coisa pode existir na realidade sem existir na opinião. Disso ele conclui que “das duas realidades paralelas, a única necessária é a da opinião”. Eis aí a essência do pomadismo. O bonzo pomadista, como se vê, monta sua doutrina a partir de uma afirmação trivialmente verdadeira: uma coisa pode existir na opinião sem existir na realidade, e existir na realidade sem existir na opinião. A seguir o bonzo conclui: a única existência necessária é a da opinião. Isso, diz ele, é um “achado especulativo”. O jogo do bonzo, diz o narrador, consiste em “meter idéias e convicções nos outros”. Um de seus seguidores, Titané, o alparqueiro, usa o jornal para propagandear suas alparcas comuns, fazendo crer que elas são maravilhosas. O narrador do conto, por sua vez, ao praticar a doutrina, faz de conta que toca a charamela (um antepassado da clarineta) para uma audiência que se maravilha ouvindo ... nada! Diogo Meireles, por sua vez, encontra pessoas portadoras de uma doença que torna os narizes horrendos, e convence-as a deixarem que ele arranque os narizes. Eles serão substituídos por um “nariz são, mas de pura natureza metafísica, isto é, inacessível aos sentidos humanos”. Os viventes, desnarigados, ficam muito felizes com o novo nariz inexistente.
O pomadista tem como ponto de partida uma verdade trivial (uma coisa pode existir na opinião sem existir na realidade, e pode existir na realidade sem existir na opinião); isso mostra a existência de um intervalo, de um espaço entre nossas opiniões e a realidade. A seguir, o pomadista usa esse espaço e essa distinção (entre ter uma crença e ter um conhecimento), para explorar a credulidade humana fazendo valer a opinião pela realidade.
Como se vê, o pomadismo tem muitos seguidores por esse mundo.

1 Comments:

Blogger Gisele Secco said...

Ai, ai...
Ói eu aqui traveiz...
Estava, na semana passada, ensinado a definição de conhecimento, uma introdução para poder falar da diferença entre os conhecimentos das ciências naturais e das humanas, algo que eu pensei dever fazer, lendo o programa da coperves para o peies e o vestibular.
Vai fazer eles entenderem que opinião não é conhecimento?
Que quando se usa a palavra "crença" não estamos nos referindo unicamente às crenças religiosas;
Que posso pensar que algo é verdade mas não poder justificar...
Ai, ai...

7:10 PM  

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