Wednesday, June 07, 2006

9. Deleuze e a Filosofia

Gilles Deleuze, no livro "A Lógica do Sentido", dedica um capítulo às “três imagens do filósofo”, abordando três metáforas: Platão e as alturas, os pré-socráticos e a vida nas cavernas, e, com Nietzsche, nem profundidade, nem altura, uma nova geografia da superfície. Vai aqui o texto:
“A imagem do filósofo, tanto popular como científica, parece ter sido fixada pelo platonismo: um ser das ascenções que sai da caverna eleva-se e se purifica na medida em que mais se eleva. Neste “psiquismo ascencional”, a moral e a filosofia, o ideal ascético e a idéia do pensamento estabeleceram laços muito estreitos. Deles dependem a imagem popular do filósofo nas nuvens, mas também a imagem científica segundo a qual o céu do filósofo é um céu inteligível que nos distrai menos da terra do que compreende sua lei. Mas nos dois casos tudo se passa em altitude (ainda que fosse a altura da pessoa no céu da lei moral). Quando perguntamos “que é orientar-se no pensamento?”, aparece que o pensamento pressupõe ele próprio eixos e orientações segundo as quais se desenvolve, que tem uma geografia antes de ter uma história, que traça dimensões antes de construir sistemas. A altura é o Oriente propriamente platônico. A operação do filósofo é então determinada como ascenção, como conversão, isto é, como o movimento de se voltar para o princípio do alto do qual ele procede e de se determinar, de se preencher e de se conhecer graças a uma tal movimentação. Não vamos comparar os filósofos e as doenças, mas há doenças propriamente filosóficas. (...)
(...) O filósofo pré-socrático não sai da caverna, ele estima, ao contrário, que não estamos bastante engajados nela, suficientemente engolidos. O que ele recusa em Teseu é o fio: “Que nos importa vosso caminho que sobe, vosso fio que leva fora, que leva à felicidade e à virtude... Quereis nos salvar com a ajuda deste fio? E nós, nós vos pedimos encarecidamente: enforcai-vos neste fio!” Os pré-socráticos instalaram o pensamento nas cavernas, a vida nas profundidade. Eles sondaram a água e o fogo. Eles fizeram filosofia a golpes de martelo, como Empédocles quebrando as estátuas, o martelo do geólogo, do espeleólogo. (...)
(...) No entanto, conforme ao método mesmo, temos a impressão de que se levanta uma terceira imagem de filósofos. E que é a eles que a palavra de Nietzsche se aplica particularmente: de tanto serem superficiais, como esses gregos eram profundos! Esses terceiros gregos não são mesmo mais completamente gregos. A salvação, eles não a esperam mais da profundidade da terra ou da autoctonia, muito menos do céu e da Idéia, eles a esperam lateralmente do acontecimento, do Leste - onde, como diz Carroll, se levantam todas as coisas boas. Com os Megáricos, os Cínicos e os Estóicos começam um novo filósofo e um novo tipo de anedotas.
(...) É uma reorientação de todo o pensamento e do que significa pensar: não há mais nem profundidade nem altura. (...) Não mais Dionísio no fundo, ou Apolo lá em cima, mas o Hércules das superfícies, na sua dupla luta contra a profundidade e a altura: todo o pensamento reorientado, nova geografia. (...)
O filósofo não é mais o ser das cavernas, nem a alma ou o pássaro de Platão, mas o animal chato das superfícies, o carrapato, o piolho. O símbolo filosófico não é mais a águia de Platão, nem a sandália de chumbo de Empédocles, mas o manto duplo de Antístenes e de Diógenes. O bastão e o manto, como Hércules com seu porrete e sua pele de leão”

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