Monday, June 26, 2006

12. Sêneca: Um trecho da Consolação à Márcia

Nem só de espírito de sistema é feita a Filosofia. Um dos objetivos da disciplina é procurar caracterizar outras dimensões da Filosofia. Para caminhar nessa direção começamos com uma leitura de Michel Foucault, do livro “A Hermenêutica do Sujeito”. Entre os autores que consideramos para indicar essas outras dimensões, estavam nomes como Epicuro (Sobre o Ouvir) e Sêneca. Transcrevo abaixo um trecho de um texto de Sêneca. É a minha passagem favorita da “Consolação a Márcia”. Márcia era uma senhora importante na sociedade romana que havia perdido um filho, Metílio, por volta do ano 40, quando governava o famoso Calígula. O texto é simplesmente brilhante.
XI. 1. E que esquecimento é este, afinal, de tua própria condição e da de todos? Nasceste mortal e geraste mortais. Sendo tu mesma um corpo perecível e frágil e sujeita a doenças, esperaste ter gerado de uma matéria tão fraca alguma coisa sólida e eterna? Teu filho morreu: isto significa que ele chegou àquele fim para o qual caminham aquelas coisas que julgas mais felizes que teu filho. Para lá se dirige com passo desigual toda essa multidão que discute no fórum, que vai ao teatro e ora nos templos: e uma única cinza igualará tanto o que amas quanto o que desprezas. Isto é o que declaram aquelas palavras atribuídas ao oráculo Pítico: Conhece-te a ti mesmo. O que é o homem? Um vaso que pode quebrar-se ao menor abalo, ao menor movimento. Não é necessária uma grande tempestade para que se destrua; bata onde bater, se dissolverá. O que é o homem? Um corpo débil e frágil, desnudo, indefeso por sua própria natureza, que tem necessidade do auxílio alheio, exposto a todos os danos do destino; um corpo que quando exerceu bem os seus músculos, é pasto de qualquer fera, é vítima de qualquer uma; composto de matéria inconsistente e mole e brilhante somente nas feições exteriores; incapaz de suportar o frio, o calor, a fadiga e, por outro lado, destinado à desagregação pela inércia da ociosidade; um corpo preocupado com seus alimentos, por cuja carência ora se enfraquece, por cujo excesso ora se rompe; um corpo angustiado e inquieto por sua conservação, provido de uma respiração precária e pouco firme, a qual um forte ruído repentino perturba; um corpo que é fonte doentia e inútil, de contínuo perigo para si mesmo. 4. Admiramo-nos da morte neste corpo, a qual não precisa senão de um suspiro? Acaso é necessário muito esforço para que venha sucumbir? Um odor, um sabor, um cansaço, uma vigília, um humor, um alimento e aquelas coisas sem as quais não pode viver, lhe são mortais; para onde quer que se mova, tem imediatamente consciência de sua fraqueza; incapaz de suportar qualquer clima, torna-se doente pela troca das águas, pelo sopro de ar não familiar e por incidentes e danos de mínima importância; um ser precário, doentio, tendo começado a vida pelo choro. Não obstante, quantos tumultos provoca esse tão desprezível animal, a quão altos pensamentos aspira, esquecido de sua condição. 5. Revolve no espírito coisas imortais, coisas eternas e faz planos para os seus netos e bisnetos, enquanto ele planeja projetos duradouros, a morte o pressiona; e isto que se chama velhice é um período de pouquíssimos anos.
( Cartas Consolatórias. Tradução de Cleonice Furtado de Mendonça van Raij, Pontes Editora, Campinas, 1992).

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