Monday, May 14, 2007

As profissões impossíveis

O local de origem daquilo que poderia ser chamado de um "topoi" sobre "as profissões impossíveis" (do qual a idéia da filosofia como um "dever do impossível" é um dos casos) está em Freud, tanto quanto sei. No trabalho de 1937, intitulado "Análise terminável e interminável", parte VII, Freud fala sobre as "profissões 'impossíveis'". Transcrevo:

"Detenhamo-nos aqui por um momento para garantir ao analista que ele conta com nossa sincera simpatia nas exigências muito rigorosas a que tem de atender no desempenho de suas atividades. Quase parece como se a análise fosse a terceira daquelas profissões ‘impossíveis’ quanto às quais de antemão se pode estar seguro de chegar a resultados insatisfatórios. As duas outras, conhecidas há muito mais tempo, são a educação e o governo."

Nesse ponto do texto o editor informa que há uma passagem semelhante a essa, na Standard Edition, 19, 273. No momento estou sem meu exemplar. Quando puder eu incluo a citação. O texto segue assim:

"Evidentemente, não podemos exigir que o analista em perspectiva seja um ser perfeito antes que assuma a analise, ou em outras palavras, que somente pessoas de alta e rara perfeição ingressem na profissão. Mas onde e como pode o pobre infeliz adquirir as qualificações ideais de que necessitará em sua profissão? A resposta é: na análise de si mesmo, com a qual começa sua preparação para a futura atividade. Por razões praticas, essa análise só pode ser breve e incompleta. Seu objetivo principal é capacitar o professor a fazer um juízo sobre se o candidato pode ser aceito para formação posterior. Essa análise terá realizado seu intuito se fornecer àquele que aprende uma convicção firme da existência do inconsciente, se o capacitar, quando o material reprimido surge, a perceber em si mesmo coisas que de outra maneira seriam inacreditáveis para ele, e se lhe mostra um primeiro exemplo da técnica que provou ser a única eficaz no trabalho analítico. Só isso não bastaria para sua instrução, mas contamos com os estímulos que recebeu em sua própria análise não cessem quando esta termina, com que os processos de remodelamento do ego prossigam espontaneamente no individuo analisado, e com que se faça uso de todas as experiências subseqüentes nesse recém-adquirido sentido. Isso de fato acontece e, na medida em que acontece, qualifica o individuo analisado para ser, ele próprio, analista.

Esse parágrafo que citei está encompassado por duas frases que vale a pena lembrar. A primeira é essa:
"Não devemos esquecer que o relacionamento analítico se baseia no amor à verdade, isto é, no reconhecimento da realidade - e que isso exclui qualquer tipo de impostura ou engano."

A frase que está na seqüência é essa:
"Hostilidade, por um lado, e partidarismo, por outro, criam uma atmosfera desfavorável à investigação objetiva".

Eu procuro não ser hostil ou partidário; devo dizer, no entanto, que não pude deixar de me lembrar de Renato Zamora Flores e seu admirável artigo, "A complexidade está nua e é muito magra", publicado na revista Ciência & Ambiente, numero 28, janeiro/julho de 2004: ali, Renato mostra certos padrões de estudos que, mutatis mutandis, parecem também valer para o, como diria Freud, pobre e infeliz campo do ensino da filosofia.
Leiam o Renato que vale a pena!

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